quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Tão incompreendidos quanto fascinantes

Polêmicos sem querer ser, sábios, porém inquietantes, talvez por isso. Nada é mais incômodo que o silencioso bastar-se dos gatos. O só pedir a quem amam. O só amar a quem merece. O homem quer o bicho submisso, cheio de súplica, temor, reverência, obediência. O gato não satisfaz às necessidades doentias do amor. Só as saudáveis. Então falarei deles o que a observação de alguns anos me deu. Quem sabe, talvez, ocorra o milagre de iluminar um uma mente fechada? Quem sabe, entendendo-os melhor, estabelece-se um grau de compreensão, uma possibilidade de luz e entendimento onde há ódio e ignorância?

O leal cachorro submete-se às agruras do dono e ainda assim faz gentileza e festinha pra ele. Gato não. Ele só aceita uma relação de independência e afeto. É mutualismo, é troca. E como não cede ao homem, mesmo quando dele dependente, é chamado de arrogante, egoísta, safado, espertalhão, traiçoeiro ou falso. "Falso", porque não aceita a nossa falsidade com ele e só admite afeto com troca e respeito pela individualidade. O gato não gosta de alguém porque precisa gostar para se sentir melhor. Ele gosta pelo amor que lhe é próprio, que é dele e ele o dá se quiser.

O gato devolve ao homem a exata medida da relação que dele parte. Sábio, é espelho. O gato é Zen. O gato é Tao. Ele conhece o segredo da não-ação que não é inação. Nada pede a quem não o quer. Exigente com quem ama, mas só depois de muito se certificar. Não pede amor, mas se lhe dá, então ele exige. Sim, o gato não pede amor. Nem depende dele. Mas, quando o sente, é capaz de amar muito. Discretamente, sem derramar-se. O gato é um italiano educado na Inglaterra. Sente como um italiano mas se comporta como um lorde inglês.

Quem não se relaciona bem com o próprio inconsciente não transa o gato. Ele aparece, então, como ameaça, porque representa essa relação precária do homem com o (próprio) mistério. O gato não se relaciona com a aparência do homem. Ele vê além, por dentro e pelo avesso. Relaciona-se com a essência. Se o gesto de carinho é medroso ou substitui inaceitáveis (mas existentes) impulsos secretos de agressão, o gato sabe. E se defende do afago. A relação dele é com o que está oculto, guardado, e nem nós queremos, sabemos ou podemos ver. Por isso, quando surge nele um ato de entrega, de subida no colo ou manifestação de afeto, é algo muito verdadeiro, que não deve ser desdenhado. É um gesto de confiança que honra quem o recebe, pois significa um julgamento.

O homem não sabe ver o gato, mas o gato sabe ver o homem. Se há desarmonia real ou latente, o gato sente. Se há solidão, ele sabe e atenua como pode (ele que enfrenta a própria solidão de maneira muito mais valente que nós). Se há pessoas agressivas em torno ou carregadas de maus fluidos, ele se afasta. Nada diz, não reclama. Afasta-se. Presente ou ausente, ele ensina e manifesta algo. Perto ou longe, olhando ou fingindo não ver, ele está comunicando códigos que nem sempre (ou quase nunca) sabemos traduzir.

O gato vê mais e vê dentro e além de nós. Relaciona-se com fluidos, auras, fantasmas amigos e opressores. O gato é médium, bruxo, alquimista e parapsicólogo. É uma chance de meditação permanente a nosso lado, ensinando paciência, atenção, silêncio e mistério. O gato é um monge portátil à disposição de quem o saiba perceber. Ele é uma lição diária de afeto verdadeiro. Suas manifestações são íntimas e profundas. Exigem recolhimento, entrega, atenção. Desatentos não agradam os gatos. Bulhosos os irritam. Vive do verdadeiro e não se ilude com aparências. Ninguém em toda natureza aprendeu a bastar-se (até na higiene) a si mesmo como o gato.

Lição de sono e de musculação, o gato nos ensina todas as posições de respiração ioga. Ensina a dormir com entrega total e diluição recuperante no Cosmos. Ensina a espreguiçar-se com a massagem mais completa em todos os músculos, preparando-os para a ação imediata. Se os preparadores físicos aprendessem o aquecimento do gato, os jogadores reservas não levariam tanto tempo se aquecendo para entrar em campo. O gato sai do sono para o máximo de ação, tensão e elasticidade num segundo. Conhece o desempenho preciso e milimétrico de cada parte do seu corpo, a qual ama e preserva como um templo.

Lição de saúde sexual e sensualidade. Lição de envolvimento amoroso com dedicação integral de vários dias. Lição de organização familiar e de definição de espaço próprio e território pessoal. Lição de anatomia, equilíbrio, desempenho muscular. Lição de salto. Lição de silêncio. Lição de descanso. Lição de introversão. Lição de contato com o mistério, com a escuridão. Lição de religiosidade sem ícones. Lição de alimentação e requinte. Lição de bom gosto e senso de oportunidade. Lição de vida, enfim, a mais completa, diária, silenciosa, educada, sem cobranças, sem veemências, sem exigências. O gato é uma chance de interiorização e sabedoria posta pelo desconhecido à disposição do homem.
Arthur da Távola


* Ilustrando o post, Pedrinho. Faz quatro meses que essa figurinha encantadora adentrou nossas vidas, meio que por acaso, e tornou-se insubstituível e indispensável.

13 comentários:

  1. o gato é uma obra de arte, a mais sincera criatura que não disfarça nem o medo ao duplicar o tamanho do rabo ou esticar as orbitas

    ResponderExcluir
  2. o gato é uma obra de arte, a mais sincera criatura que não disfarça nem o medo ao duplicar o tamanho do rabo ou esticar as orbitas

    ResponderExcluir
  3. Nussa, que post grandeee! Rs..cara, eu amo gatos e odeio cachorros. Mas não maltrato, he he. Sou a favor dos animais! E vegetariano! Tive um gato chamado Salem, e uma Mary Jane. Atualmente com uma Roxanne em casa, e um Bartolomeu. Cute!o/

    ResponderExcluir
  4. o pos é grande mas vale apena rssrrs
    parabéns!!
    visita o meu
    http://triplicandoaej.blogspot.com

    ResponderExcluir
  5. Como todos disseram o post é grande mas vale a pena ler [124234]

    Antes não gostava de gatos, axava eles falsos, que so se interessavam pela casa e a comida.
    Mas de um tempo pra cá comecei a adimirar esses felinos por N motivos, além de serem seres facinantes e belos. Depois de ler seu texto que esta maravilhoso, adoro ainda mais esses bixinhos, e adorei a frase - "Exigente com quem ama, mas só depois de muito se certificar"

    Ta perfeito *_*

    ResponderExcluir
  6. Texto fantástico, explica bem o que é o gato mesmo, como disse a amiga ai de cima, eu achava eles falsos também, mas em casa tem dois, e vi que não são falsos, isso é só da natureza deles.

    ResponderExcluir
  7. Muito bom ter animais de estimação, eu particularmente não sou muito apegado aos que tem em casa, porém se não tivesse eles aqui eu sentiria falta.

    ResponderExcluir
  8. eu tenho alergia a cachorros e medo de gatos...amo meu peixe qr bicho melhor num faz barulho não atrapalha não caga em lugar q num deve...perfeitos *-*

    ResponderExcluir
  9. Realmente eu tinha outra visão sobre gatos...
    Ótimo texto!

    ResponderExcluir
  10. Eu adoro gatos .. tenho 2 ... o Edy, é dengoso no ultimo ai de chegar em casa e não fazer um pouco de carinho fica miando até ter atenção que ele quer ... e realmente imitar o jeito que ele se esproguiça é bom eu já fiz isso .. kkkkk

    Acho que eles tem algo um tanto misterioso ..

    Bem legal o post.

    http://www.analucianicolau.adv.br

    ResponderExcluir
  11. bem interessante porem nao gosto de gatos

    ResponderExcluir
  12. falou e disse. concordo em gênero, número e grau. parabéns pelo seu texto tão profundo e esclarecedor! miaaauuu...

    ResponderExcluir
  13. O gato é a pura tradução do que é o AMOR.

    ResponderExcluir